A partir do ano 2012 a Colômbia
tem experimentado grandes mobilizações sociais. O surgimento no nível nacional
de movimentos sociais e políticos com pautas amplas marcou uma opção
alternativa de poder e governo, no meio da continuidade das práticas estatais e
das políticas públicas do quarto país com maior inequidade do mundo e com uma
guerra civil irresoluta por mais de 40 anos.
Durante a Cúpula Agraria,
Étnica e Popular realizada nos dias 15, 16 e 17 de março na cidade de Bogotá, o
mais recente grande encontro dos movimentos políticos e sociais da Colômbia, foi
lançada uma convocatória a uma nova paralização nacional de todos os setores
sociais para ser realizada em finais do mês de abril. Isso traz à memória a
última paralização realizada em 2013, que resultou em umas negociações e
acordos entre o governo e os manifestantes. Estes últimos denunciam o descumprimento
dos acordos por parte do governo, o que justifica o chamado a uma nova
paralização.
Neste panorama, conseguimos
dialogar com David Flórez, porta-voz da Marcha Patriótica, um dos movimentos
sociais e políticos mais importantes no contexto colombiano, quem analisou o
momento atual de mobilização social e o panorama político a futuro. Eis a entrevista:
1. Sabemos
que os movimentos sociais colombianos realizam um importante esforço de
construção de plataformas de unidade política. Você poderia descrever quais são
os avanços a esse respeito nos últimos anos?
Está certo. Os movimentos sociais colombianos nos
últimos anos sofreram um processo de qualificação muito importante que se
reflete na passagem da luta meramente reivindicativa para a mais declarada
disputa pelo poder político. Esse exercício se concretizou na criação de
movimentos sócio-políticos em que confluem organizações camponesas, estudantis,
sindicais, juvenis, indígenas, afro-colombianas, LGBTI, movimentos urbanos,
entre outros, que têm um desejo de transformação estrutural e uma clara vocação
de poder.
Sem dúvida, a Marcha Patriótica e o Congreso de los
Pueblos (Congresso dos Povos) são os movimentos sócio-políticos mais
significativos na atual realidade política colombiana, isso se deve a sua ampla
presença no território nacional, sua diversidade e sua demonstrada capacidade
de mobilização.
Pode-se se dizer que são vários os avanços mais
relevantes alcançados por esses movimentos sociais. Em primeiro lugar, a
ressignificação do exercício da política, já que este foi reduzido à
participação eleitoral. A criação destes movimentos permitiu resgatar (retomar)
a rua, a mobilização e a organização como formas de alcançar vitórias políticas
assim como de acumular forças para a tomada do poder e para chegar a ser
governo.
Em segundo lugar, o posicionamento de temas
fundamentais para a maioria dos colombianos que se encontravam por fora do
debate público, como a necessidade da solução política do conflito e a paz com
justiça social, o fracasso do modelo neoliberal e de livre comércio,
especialmente no que tange a produção agrícola em condições de uma histórica
concentração da terra e, por último, o debate sobre as nefastas consequências
sociais e ambientais do modelo de extração mineiro e energético.
Em terceiro lugar, houve um avanço na unidade do
movimento popular, porque esses processos organizativos nasceram com um
profundo sentimento unitário que busca juntar todas as rebeldias do nosso país.
Recentemente, nos dias 15, 16 e 17 de março desse 2014, tivemos a oportunidade
de realizar a Cúpula Agrária, Étnica e Popular, na que um grande número de
organizações sociais e política conseguiram não apenas articular as agendas,
mas também avançar em aspectos importantes de unidade programática e de projeção
estratégica.
2.
Quais são as principais dificuldades para a construção
dessas organizações políticas alternativas no panorama político colombiano?
Eu poderia mencionar varias. Mas definitivamente a
principal tem sido a falta de garantias reais e formais para o exercício da
política. A Marcha Patriótica, desde seu nascimento, tem sido vítima de uma
feroz perseguição por parte do Estado, o que se expressa claramente nos 48
integrantes assassinados, mais de 300 vítimas de fraudes judiciais, entre os
quais encontram-se processos contra três integrantes da nossa direção nacional:
Huber Ballesteros, Francisco Toloza e Wilmer Madroñero. Além disso, mais 900
integrantes foram receberam ameaças de morte por parte de grupos paramilitares
que trabalham de mãos dadas com o Estado. Todos esses vexames têm sido
legitimados por meio de uma brutal campanha de estigmatização que vai do
presidente da república, os ministros, os comandantes militares e termina na
grande mídia.
3.
Você poderia descrever para nós qual é a proposta de
construção de democracia de Marcha Patriótica e quais suas distancias e
críticas com a suposta democracia eleitoral colombiana?
É muito importante que fique claro para os leitores
que na Colômbia não há uma verdadeira democracia e que claros exemplos disso
foram as mais recentes eleições legislativas que se realizaram no meio a denúncias
de fraude feitas por todos os partidos que participaram, pelo enorme custo das
campanhas, algumas delas superaram os dois milhões de dólares por candidato,
cifra que só é possível de ser alcançada por meio da financiação de
transnacionais, do setor financeiro ou do narco-paramilitarismo. Também ficou
evidente o constrangimento armado, o aumento das ameaças contra as organizações
sociais e a compra de votos, o que fez com que 69 parlamentares eleitos sejam de
famílias ou clãs políticos ligados ao paramilitarismo, realidade que na
Colômbia é de público conhecimento. O
histórico clientelismo também esteve presente, por meio dele foi distribuído o
dinheiro do Estado para garantir cadeiras no parlamento e assegurar que os
amigos do presidente Santos acompanhem a pretensão de reeleição dele.
Outro
fenômeno importante para analisar é a historicamente alta abstenção subiu para
56% no nível nacional e em Bogotá foi de 66%. Além do crescimento significativo
do voto em branco, de votos nulo e votos não marcados, que somados chegam a 22%
dos votos, o que representa o percentual de votos que é superior ao de qualquer
um dos partidos políticos que participaram nas eleições. Isso mostra, a meu
ver, uma aguda crise de representação do regime político colombiano, que devido
a um exercício claramente antidemocrático e de clientela nas eleições, suscitou
uma enorme rejeição dessas instituições por parte dos colombianos. Diante desse
panorama no atual regime político, a esquerda colombiana está limitada a
reproduzir a democracia governável por meio da participação minoritária no
parlamento, sem nenhuma chance real de ser governo e de ter poder.
É por isso que a Marcha Patriótica vem insistindo na
necessidade de realizar uma assembleia nacional constituinte, que consiga mudar
o atual regime político e suas instituições antidemocráticas e que abra a
possibilidade de referendar popularmente os possíveis acordos entre as
insurgências e o governo nacional, e que também inclua aos setores sociais
historicamente excluídos das decisões importantes de nosso país: indígenas,
afro-colombianos, camponeses, estudantes, e aos integrantes dos grupos
insurgentes.
4.
Você poderia fazer uma breve análise do panorama de
mobilizações populares que aconteceram na Colômbia desde o surgimento dessas
plataformas de unidade social e política?
Eu posso dizer que essas plataformas nasceram na
mobilização popular, já que são produto de acumulados históricos de luta e
porque seu nascimento foi legitimado por massivas mobilizações, como aconteceu
o dia 12 de outubro de 2013 com o Congreso de los Pueblos e nos dias 20 de
julho de 2010 e 23 de abril de 2012 no caso da Marcha Patriótica. A geração
destes processos tem repercutido no aumento significativo da mobilização
social, popular e unitária em nosso país. Isso trouxe como resultado a
realização da Semana da Indignação em outubro de 2012, a paralisação agrária e
popular e a Minga Indígena entre os meses de setembro e outubro do ano 2013.
Esses últimos fatos constituíram-se na maior mobilização em nosso pais dos
últimos 30 anos.
5.
Qual
é a agenda política de mobilizações prevista na Colômbia?
Como resultado da Cúpula Agrária, Étnica e Popular, o
movimento político e social Marcha Patriótica, Congreso de los Pueblos e as
organizações mais representativas dos mundos afro-colombiano e indígena
preparamos uma nova paralisação nacional a ser realizada e finais do mês de
abril e começos do mês de maio, que busca obrigar ao governo a mudar suas
políticas em relação aos camponeses e a produção agrícola e frente a outros
setores sociais.
Entrevista a David Flórez, porta-voz nacional do
movimento político e social Marcha Patriótica.
Twitter: @Davidflorezmp
@marchapatriota
www.marchapatriotica.org.
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