4/21/2014

ANUNCIO DE NOVA PARALIZAÇÃO NACIONAL NA COLÔMBIA: RADIOGRAFIA DE UMA SOCIEDADE MOBILIZADA

A partir do ano 2012 a Colômbia tem experimentado grandes mobilizações sociais. O surgimento no nível nacional de movimentos sociais e políticos com pautas amplas marcou uma opção alternativa de poder e governo, no meio da continuidade das práticas estatais e das políticas públicas do quarto país com maior inequidade do mundo e com uma guerra civil irresoluta por mais de 40 anos.



Durante a Cúpula Agraria, Étnica e Popular realizada nos dias 15, 16 e 17 de março na cidade de Bogotá, o mais recente grande encontro dos movimentos políticos e sociais da Colômbia, foi lançada uma convocatória a uma nova paralização nacional de todos os setores sociais para ser realizada em finais do mês de abril. Isso traz à memória a última paralização realizada em 2013, que resultou em umas negociações e acordos entre o governo e os manifestantes. Estes últimos denunciam o descumprimento dos acordos por parte do governo, o que justifica o chamado a uma nova paralização.

Neste panorama, conseguimos dialogar com David Flórez, porta-voz da Marcha Patriótica, um dos movimentos sociais e políticos mais importantes no contexto colombiano, quem analisou o momento atual de mobilização social e o panorama político a futuro. Eis a entrevista:

1.      Sabemos que os movimentos sociais colombianos realizam um importante esforço de construção de plataformas de unidade política. Você poderia descrever quais são os avanços a esse respeito nos últimos anos?
Está certo. Os movimentos sociais colombianos nos últimos anos sofreram um processo de qualificação muito importante que se reflete na passagem da luta meramente reivindicativa para a mais declarada disputa pelo poder político. Esse exercício se concretizou na criação de movimentos sócio-políticos em que confluem organizações camponesas, estudantis, sindicais, juvenis, indígenas, afro-colombianas, LGBTI, movimentos urbanos, entre outros, que têm um desejo de transformação estrutural e uma clara vocação de poder.

Sem dúvida, a Marcha Patriótica e o Congreso de los Pueblos (Congresso dos Povos) são os movimentos sócio-políticos mais significativos na atual realidade política colombiana, isso se deve a sua ampla presença no território nacional, sua diversidade e sua demonstrada capacidade de mobilização.   

Pode-se se dizer que são vários os avanços mais relevantes alcançados por esses movimentos sociais. Em primeiro lugar, a ressignificação do exercício da política, já que este foi reduzido à participação eleitoral. A criação destes movimentos permitiu resgatar (retomar) a rua, a mobilização e a organização como formas de alcançar vitórias políticas assim como de acumular forças para a tomada do poder e para chegar a ser governo.
Em segundo lugar, o posicionamento de temas fundamentais para a maioria dos colombianos que se encontravam por fora do debate público, como a necessidade da solução política do conflito e a paz com justiça social, o fracasso do modelo neoliberal e de livre comércio, especialmente no que tange a produção agrícola em condições de uma histórica concentração da terra e, por último, o debate sobre as nefastas consequências sociais e ambientais do modelo de extração mineiro e energético.

Em terceiro lugar, houve um avanço na unidade do movimento popular, porque esses processos organizativos nasceram com um profundo sentimento unitário que busca juntar todas as rebeldias do nosso país. Recentemente, nos dias 15, 16 e 17 de março desse 2014, tivemos a oportunidade de realizar a Cúpula Agrária, Étnica e Popular, na que um grande número de organizações sociais e política conseguiram não apenas articular as agendas, mas também avançar em aspectos importantes de unidade programática e de projeção estratégica.  



2.      Quais são as principais dificuldades para a construção dessas organizações políticas alternativas no panorama político colombiano?
 Eu poderia mencionar varias. Mas definitivamente a principal tem sido a falta de garantias reais e formais para o exercício da política. A Marcha Patriótica, desde seu nascimento, tem sido vítima de uma feroz perseguição por parte do Estado, o que se expressa claramente nos 48 integrantes assassinados, mais de 300 vítimas de fraudes judiciais, entre os quais encontram-se processos contra três integrantes da nossa direção nacional: Huber Ballesteros, Francisco Toloza e Wilmer Madroñero. Além disso, mais 900 integrantes foram receberam ameaças de morte por parte de grupos paramilitares que trabalham de mãos dadas com o Estado. Todos esses vexames têm sido legitimados por meio de uma brutal campanha de estigmatização que vai do presidente da república, os ministros, os comandantes militares e termina na grande mídia.

3.      Você poderia descrever para nós qual é a proposta de construção de democracia de Marcha Patriótica e quais suas distancias e críticas com a suposta democracia eleitoral colombiana?
É muito importante que fique claro para os leitores que na Colômbia não há uma verdadeira democracia e que claros exemplos disso foram as mais recentes eleições legislativas que se realizaram no meio a denúncias de fraude feitas por todos os partidos que participaram, pelo enorme custo das campanhas, algumas delas superaram os dois milhões de dólares por candidato, cifra que só é possível de ser alcançada por meio da financiação de transnacionais, do setor financeiro ou do narco-paramilitarismo. Também ficou evidente o constrangimento armado, o aumento das ameaças contra as organizações sociais e a compra de votos, o que fez com que 69 parlamentares eleitos sejam de famílias ou clãs políticos ligados ao paramilitarismo, realidade que na Colômbia é de público conhecimento.  O histórico clientelismo também esteve presente, por meio dele foi distribuído o dinheiro do Estado para garantir cadeiras no parlamento e assegurar que os amigos do presidente Santos acompanhem a pretensão de reeleição dele.

Outro fenômeno importante para analisar é a historicamente alta abstenção subiu para 56% no nível nacional e em Bogotá foi de 66%. Além do crescimento significativo do voto em branco, de votos nulo e votos não marcados, que somados chegam a 22% dos votos, o que representa o percentual de votos que é superior ao de qualquer um dos partidos políticos que participaram nas eleições. Isso mostra, a meu ver, uma aguda crise de representação do regime político colombiano, que devido a um exercício claramente antidemocrático e de clientela nas eleições, suscitou uma enorme rejeição dessas instituições por parte dos colombianos. Diante desse panorama no atual regime político, a esquerda colombiana está limitada a reproduzir a democracia governável por meio da participação minoritária no parlamento, sem nenhuma chance real de ser governo e de ter poder.

É por isso que a Marcha Patriótica vem insistindo na necessidade de realizar uma assembleia nacional constituinte, que consiga mudar o atual regime político e suas instituições antidemocráticas e que abra a possibilidade de referendar popularmente os possíveis acordos entre as insurgências e o governo nacional, e que também inclua aos setores sociais historicamente excluídos das decisões importantes de nosso país: indígenas, afro-colombianos, camponeses, estudantes, e aos integrantes dos grupos insurgentes.

4.      Você poderia fazer uma breve análise do panorama de mobilizações populares que aconteceram na Colômbia desde o surgimento dessas plataformas de unidade social e política?   
Eu posso dizer que essas plataformas nasceram na mobilização popular, já que são produto de acumulados históricos de luta e porque seu nascimento foi legitimado por massivas mobilizações, como aconteceu o dia 12 de outubro de 2013 com o Congreso de los Pueblos e nos dias 20 de julho de 2010 e 23 de abril de 2012 no caso da Marcha Patriótica. A geração destes processos tem repercutido no aumento significativo da mobilização social, popular e unitária em nosso país. Isso trouxe como resultado a realização da Semana da Indignação em outubro de 2012, a paralisação agrária e popular e a Minga Indígena entre os meses de setembro e outubro do ano 2013. Esses últimos fatos constituíram-se na maior mobilização em nosso pais dos últimos 30 anos.

5.      Qual é a agenda política de mobilizações prevista na Colômbia?
Como resultado da Cúpula Agrária, Étnica e Popular, o movimento político e social Marcha Patriótica, Congreso de los Pueblos e as organizações mais representativas dos mundos afro-colombiano e indígena preparamos uma nova paralisação nacional a ser realizada e finais do mês de abril e começos do mês de maio, que busca obrigar ao governo a mudar suas políticas em relação aos camponeses e a produção agrícola e frente a outros setores sociais.

Entrevista a David Flórez, porta-voz nacional do movimento político e social Marcha Patriótica.
Twitter: @Davidflorezmp
@marchapatriota

www.marchapatriotica.org.

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